O Acompanhamento Terapêutico na depressão leve

O percurso com o AT
É um distúrbio tão comum que cabe a pergunta. Quem não teve depressão? Existem variadas intensidades de depressão, algumas são muito severas, como quando a pessoa não sai da cama, ou estados depressivos "leves", e por vezes muito duradouros, onde o desempenho no dia a dia não chega a ser nulo, mas também não é satisfatório sob a ótica do próprio indivíduo. 

Enquanto uma depressão severa pode causar colapso do laço social e perdas econômicas significativos num curto espaço de tempo, a depressão leve pode causar "pequenos prejuízos" borrifados na vida ao longo de décadas, o que pode ter um efeito de longo prazo pior do que a depressão grave. Imaginemos o caso de uma pessoa que pode ter um excelente desempenho emocional, afetivo e profissional e com isso conquistar uma posição estável no tecido social. Neste caso o acometimento de um quadro depressivo grave conta com um estofo material e social prévio que apoiam a retomada de um percurso salutar. No caso de uma pessoa com depressão leve, cujo quadro muitas vezes passa mal percebido, e mal tratado, e por isso dura longos anos, acumula-se uma sólida bagagem de pobreza e laços sociais frágeis. Em qual dos casos a depressão causou mais dano? Além de arcar com suas perdas recorrentes, o portador de depressão leve não recebe tratamento nenhum, nunca. A recuperação é possível em ambos os casos, a reflexão que coloco diz respeito ao conceito de gravidade na saúde mental. No longo prazo a depressão leve pode apresentar contornos de bastante gravidade, sob uma apreciação mais distanciada na linha do tempo do indivíduo.

A atuação do AT em casos de depressão grave é bastante consagrada. O acompanhante vai ao domicílio, normalmente chamado por um parente ou amigo, ja que o enfermo não tem essa iniciativa, e começa a conversar e estabelecer um vínculo com a pessoa, sem a presença dos demais residentes. É um vínculo diferente do familiar, porque não tem tamanha intimidade e vícios de relacionamentos. Com o acompanhante não há frustrações prévias, tão comuns em relacionamentos familiares. A partir deste canal de interlocução forma-se uma cumplicidade que busca uma saída juntos, busca-se uma liberdade, realizações. Essas conquistas são tão importantes para o acompanhado, como para o acompanhante.

E na depressão leve, como o AT pode contribuir? No caso de transtornos moderados a pessoa ainda é produtiva e tem acesso a diferentes ambientes, então o AT pode entrar para potencializar essa produtividade e esses acessos. Assim o próprio cliente tem meios para ele próprio contratar o tratamento de acompanhamento terapêutico, em contraste aos quadros de demência que impossibilitam essa tratativa, quando cabe a família a contratação.

As pessoas com depressão leve possuem pendências para resolver, frustrações para superar, coisas para arrumar, projetos para tirar da gaveta, contatos para fazer, visitas a percorrer, gratidão para manifestar, generosidade para proporcionar, atenção para dar, e receber. O AT é um parceiro para realizar esses percursos.

Quais seriam os desafios do AT no tratamento de casos leves? A principal dificuldade é o desconhecimento deste tratamento. Psicólogos e psiquiatras são bem conhecidos, AT não, no Brasil. Uma outra dificuldade, que também se apresenta em casos graves, é a permissão do cliente em aceitar o acompanhamento a partir do seu próprio lar. Neste sentido o relacionamento do AT com seu cliente é mais intenso do que atendimentos de consultório, ambos estão no mesmo barco, imersos no mesmo universo. O cliente leve pode apresentar dificuldade em reconhecer a necessidade do tratamento, e por desempenhar socialmente a maioria das suas funções pode se refugiar num comportamento de fachada mais convincente à primeira vista.

Para encerrar essas considerações é importante distinguir o tratamento de casos leves com o tratamento preventivo ou profilático. De fato tratar o caso leve é uma medida preventiva para evitar o agravamento, mas um tratamento preventivo rigorosamente falando visa a manutenção de uma condição estável de boa saúde mental, o que não é o caso de portadores de sofrimento mental moderado, que buscam novos horizontes para o cliente.

Ricardo Ramalho


ricardoramalho3@gmail.com

publicado em 18/12/2020

atualizado em 26/12/2024







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